Futebol Saudade

Desde que, há mais de 100 anos, se fez o primeiro campeonato de futebol em Portugal, que a "passerelle", que é a vida desportiva, viu desfilar milhares de clubes.
Uns ainda hoje existem, pujantes e vigorosos até, outros, embora perdendo protagonismo, ainda resistem. Mas muitos ficaram pelo caminho.
Passaram ao futsal, deixaram o desporto, ou fecharam mesmo as portas. É dos que partiram (e não só), que aqui vamos tentar deixar a memória.




sexta-feira, 3 de julho de 2020

Futebol "político" – Amigos de Cavaco



Santa Maria da Feira é, como muitos outros concelhos, local de variadas e modestas colectividades, que usualmente fazem do futebol o seu entretenimento desportivo.
A proximidade dos locais, acirra as rivalidades, que se sadias, estimulam o jogo, e tornam-no entretido.
Nas proximidades da cidade da Feira, existiu em tempos um clube de futebol, que assumiu o nome do lugar onde se situava. Designou-se por Juventude Desportiva Os Amigos de Cavaco.
Mas este nome proporcionou  muitos trocadilhos e narrativas, e um deles é relatado num jornal da nossa praça, que aqui é relembrado, juntamente com um “retrato” do clube, que a partir de 2010 deixou de se mostrar.

DNSPORT

Os Amigos do Cavaco' já não são motivo de chacota política

por JÚLIO ALMEIDA,  Aveiro 09 Maio 2008

O clube é anterior ao cavaquismo, lembra o presidente da formação
A meio da década de 90, o descontentamento popular com o rumo da governação da segunda maioria absoluta do PSD era de tal ordem que a simples entrada em campo de uma equipa amadora de futebol levava alguns adeptos mais críticos do estado do País a soltar a língua com impropérios que não devem ser escritos.
O então presidente da Juventude Atlética "Os Amigos do Cavaco", Armando Peixoto, já falecido, chegou a queixar-se, meio a sério, meio a brincar, que o clube nas suas deambulações desportivas era "prejudicado" pela quebra de popularidade do primeiro-ministro de então.
Numa deslocação ao campo do FIDEC, em Aveiro, com as duas equipas perfilhadas no centro do terreno para a habitual saudação inicial, uma bancada em coro começou a gritar "Guterres, Guterres!", em jeito de provocação com conotações políticas que deixavam antever a vontade irreversível do eleitorado numa alternância democrática, como se confirmou.
"A verdade é que somos anteriores ao cavaquismo", ironiza o actual presidente do clube, José Luís Santos, um bancário de 36 anos e antigo praticante de atletismo.
Não consta nestes tempos mais recentes após a eleição do antigo chefe do Governo para a Presidência da República, esquecidos os dissabores da parte final como primeiro-ministro, que tenham voltado "as bocas" muitas vezes ouvidas no passado.
O Cavaco é um pequeno e muito antigo lugar da freguesia de Santa Maria da Feira, que nos 70 fervilhava de actividade associativa. A certa altura, os directores da Juventude Atlética "Os Amigos do Cavaco", muito ligado ao atletismo, e o Futebol Cavaco decidiram colocar de lado as rivalidades, levando à fusão de ambos com o nome do primeiro a vingar adoptando-se como cores o azul, o branco e o amarelo.
Trinta anos depois, "Os Amigos do Cavaco" continuam a ter como principal modalidade o futebol, perderam o atletismo mas ganharam o cicloturismo.
A equipa de futebol sénior disputa actualmente a "competitiva" Zona Norte da II Divisão Distrital da Associação de Futebol de Aveiro, onde só o concelho da Feira tem sete representantes. "Muitas vezes são jogos entre vizinhos, irmãos e amigos no campo e nas bancadas", conta o presidente.
Após uma passagem pela III Divisão distrital, assegurada que foi a manutenção, "a única equipa do escalão que não paga prémios nem ajudas de custo" - como sublinha o jovem presidente no cargo, há muito ligado ao clube - segue em nono lugar entre 16 equipas.
O plantel persegue agora o objectivo de ficar acima do 5.º lugar, motivado pela promessa da direcção de oferecer "um estágio" no final do campeonato.
"Isto não podia ser mais amador", diz em jeito de brincadeira José Luís Santos, que tem "apenas uma tristeza enquanto dirigente": o clube nunca ganhou qualquer título de campeão, perdendo o troféu a época passada "por um mísero ponto".
Jogadores e equipa técnica não só nada recebem como ainda têm prejuízo "pelo simples gosto de jogar à bola". "Pagamos os combustíveis e almoços quando é preciso", conta o central Nuno, de 26 anos, que tem no plantel o seu irmão Luís, um avançado que já teve de "marcar no duro" quando se defrontaram em campos opostos.
Luís, tal como o irmão, trabalha numa fábrica de solas, mas é também agente funerário e chega a fazer de coveiro "quando é preciso".
O treinador Arlindo Reis, um antigo guarda-redes amador que abandonou cedo a carreira devido a lesão, não podia estar mais orgulhoso da sua equipa. "Tem sido excelente", diz, elogiando "a união dos jogadores, que são um verdadeiro grupo de amigos".
O bom ambiente é "injectado" também pelo massagista, Agostinho Belinha, que perdeu um braço num acidente de trabalho. "Brinca muito com a sua deficiência e ilustra o espírito do clube", conta o presidente.
Esta época, "Os Amigos do Cavaco" já viveram um momento épico. Há poucas jornadas atrás, em Abril, no dérbi local com o Mosteirô, em casa do rival, os visitantes ganhavam por 0-1 e tudo corria bem. Aos 42 minutos, seria expulso um jogador do Cavaco e já ao "cair do pano" para intervalo, de uma vez, o árbitro mostrou o cartão vermelho a mais três.
Nos balneários, presidente e equipa ainda ponderaram não voltar ao terreno de jogo, mas decidiram ir defender a vantagem no campo. Contra todas as adversidades, o apito final chegou sem alteração do marcador e os sete jogadores dos "Amigos" saíram "como heróis e sob aplausos dos adeptos, inclusivamente os da casa", relembra José Luís Santos.
As "mágoas" no clube são extra desportivas. Sem campo próprio, é obrigado a pagar 500 euros por mês para utilizar o excelente Complexo Desportivo do Feirense, onde treina e joga muito condicionado, já que tem de dar prioridade aos escalões jovens e ao plantel profissional do Feirense.

As poucas receitas que tem são geradas pelo bar da sede e quotizações dos escassos 70 sócios pagantes.


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