Futebol Saudade

Desde que, há mais de 100 anos, se fez o primeiro campeonato de futebol em Portugal, que a "passerelle", que é a vida desportiva, viu desfilar milhares de clubes.
Uns ainda hoje existem, pujantes e vigorosos até, outros, embora perdendo protagonismo, ainda resistem. Mas muitos ficaram pelo caminho.
Passaram ao futsal, deixaram o desporto, ou fecharam mesmo as portas. É dos que partiram (e não só), que aqui vamos tentar deixar a memória.




terça-feira, 3 de agosto de 2021

Porto - os campos de futebol





Factor essencial ao jogo, foi desde sempre o motivo principal de diferenciação dos clubes. Quem tem, e quem não tinha, encontrava no campo o factor de prestígio e importância que os diferenciava.
Não esqueçamos que o futebol rapidamente se tornou uma popular ocupação dos tempos livres dos mais simples, passado que foi o aristocrático período inicial que serviu, fugazmente, de deleite, aos ricaços de então.

Acontece até, que o primeiro jogo de que há relato, se deu nos greens do Oporto Cricket Club, ali ao Campo Alegre. Meteu até presença real, que ofertou uma linda taça para o vencedor. Assim rezam as crónicas.

E é em Matosinhos, no hipódromo, que alguns pioneiros como Nicolau de Almeida, joga com os “players” de Mário Duarte de Aveiro e com o Clube Lisbonense, do colégio do mesmo nome.

Mas rapidamente o futebol desceu de tais palcos, e tratou de arranjar sítio onde o jogar.
Obviamente que a penúria dos “players” levou-os a jogar em terrenos públicos, onde o espaço se “adaptasse” às exigências futebolísticas.

Por aqui, e desde logo, o baldio de Arca D’Água, ainda sem jardim, serviu às mil maravilhas.

Outro “campo” de então ficava na serra do Pilar. Descampado junto ao quartel, sendo até o seu campo de manobras, e pertença daquele, servia de palco aos jogos que então se faziam, com a benevolência militar, por certo.

Mas outros sítios iam sendo citados, nestes primeiros anos do século transacto.
Frequentemente se fala do campo da Construtora, forte empresa de construção civil e matériais de construção, que contudo fechou portas em 1907. Onde ficaria o “seu” campo?

Também por esta altura se ouve falar do campo de Coutinho de Azevedo, rua que fica no Bonfim. Provavelmente um qualquer terreno vago que por ali haveria.
Em 1915, de acordo com o CP de 28 Fevereiro, pg 3, era o campo do Olímpico Ideal Clube (tb. PJ 9 Janeiro 1915, pg 3).

É por estes tempos ainda que, embora de forma fugaz, se fala do campo de Gomes Leal (às Eirinhas, no nº 101), zona do Bonfim de muitos bairros operários, onde é crível que se tenha improvisado mais um espaço “adequado” ao jogo, pois o sítio ainda hoje dispõe de muitos espaços…

Nesta época, passou a cidade a contar (desde 1906), com um campo de top. Foi o campo da rua da Rainha, o primeiro relvado português, e que serviu o Futebol Clube do Porto, que contudo teve de o deixar à expansão da fábrica de Salgueiros, que com ele fazia extrema.

Segue-se (1912) o campo da Constituição, que chega até hoje, agora chamado de Vitalis Park.


Mas voltemos ao pioneirismo dos campos de antigamente. Junto ao Conde de Ferreira, hospital de psiquiatria, existia um vasto espaço, onde se fazia mercado de levante. O sítio era conhecido por Cruz das Regateiras. Era aí que ficava o campo da Cruz, que serve a vários clubes. Ficava na rua Costa Cabral, como diz claramente o JN de 9 Outubro 1915, pg 3, e foi aqui que o novel Académico fazia inicialmente os seus jogos, até que um seu simpatizante, decidiu dispensar-lhes um terreno em Ramalde, onde o clube esteve até à criação (1923) do seu estádio do Lima.

Nestas primeiras décadas do século passado, começam a despontar variados sítios para se jogar o futebol.

Alguns já bem estruturados e avançados para a época. É assim que o Nun’Álvares se instala no Carvalhido, onde o seu complexo até dispõe de piscina! Mais tarde falou-se de ser aqui o estádio da cidade, que passados 100 anos, muitos estudos, e várias recolhas de donativos, ainda espera ser construído!
Actualmente é espaço municipal, adaptado a várias actividades da autarquia, onde não entra o desporto.

Na Boavista, desde cedo que o clube daqui se instalou de armas e bagagens nos terrenos do Bessa, opulento proprietário, que crismou o sítio, já que o campo foi baptizado pelo clube de Mascarenhas Júnior.

Discreto, deparamo-nos com um muito antigo campo em Ramalde, antecedendo até o do Académico. O acesso fazia-se  a partir da rua do Pinheiro Manso. Ramalde-B era o nome porque era conhecido, e começou por servir a vários clubes. O seu titular era a União Cooperativa de Desporto.
Posteriormente, o Ramaldense foi um dos seus utilizadores, antes de passar ao campo do Académico (Agra - Ramalde), donde o clube foi despejado em 2011, e conhecido então por campo Alberto Araújo.

Na Foz, muito antes do campo da Ervilha, e servindo ao União local, existiu um campo na rua de Gondarém. E outro na rua de Liege!

O Progresso, que começou por usar o baldio de Arca D’Água, viu-se desde cedo (1919) no seu magnífico campo do Amial, recinto que viu muitos jogos internacionais.
Também o Salgueiros haveria de se instalar nos vastos terrenos de Paranhos, adaptando um matagal cheio de lixo e árvores, na rua Álvaro Castelões, a um magnífico recinto (Covelo), donde viria a ser despejado (1934), pela usura do seu proprietário.
Os anos passaram, e o terreno quase que voltou ao estado natural. Foi a autarquia, quem recentemente requalificou o espaço, criando ali uma excelente zona verde.
O Salgueiros, esse viu-se na necessidade de procurar outro espaço, que encontrou na rua Augusto Lessa. Só recentemente o espaço, entretanto baptizado de Vidal Pinheiro, deixou de servir ao futebol, transformado que foi, numa estação de Metro.

Mas na vizinhança deste campo do Covelo, havia um antigo campo, que foi designado pelo campo do Invicta (o Sport Clube), mas também serviu a outros. Desde logo à União do Norte, conforme esclarece o CP 28 Fevereiro 1915, pg 3. Ficava na rua da Igreja de Paranhos, aquela que do Campo Lindo nos leva à igreja de Paranhos, e que a auto-estrada veio descaracterizar).

Mas noutros lados da cidade se iam detectando campos dedicados ao futebol, que muitas eram as colectividades que o queriam jogar.

Na Praça das Flores (a) logo no início dos anos 20 surgiu um campo que serviu, e não só, ao Clube Desportivo do Porto. O campo não teria as melhores condições, e a revista “Sporting” faz uma campanha contra ele, chamando-lhe quintalejo, e dizendo-o perigoso, pois era atravessado por muitas linhas de alta tensão.
Dizia o jornal, que o campo era aprovado, por ser do Desportivo do Porto.
O clube havia alugado um terreno na desaparecida travessa da Fonte Velha, e é ali que instala o seu campo da Belavista. Mas também ali não teria vida fácil, já que o dono dos Leões do Freixo, um abastado comerciante, compraria o campo para o seu clube, que posteriormente serviria ao Faísca, clube do electricistas da União Eléctrica na rua do Freixo.

Mas os do Clube Desportivo eram de têmpera, e voltam a alugar um terreno na rua dos Navegantes, é  ali que instalam o seu campo (ver JN 9 Janeiro 1937, pg 8). Este, na fase final da sua vida era usado pelo Bonfim, e daí o nome de campo do Bonfim que o identificava. Mas o nome de baptismo era Soares Martins, assim baptizado em 1938 em homenagem a um seu atleta. Acabado o Bonfim para o futebol, foi o terreno destinado à finada Escola de Oliveira Martins. Posteriormente instalou-se ali a decorativa Soares dos Reis, e o que resta do campo está actualmente à venda, para mais um provável caixote com muita gente.

Ainda antes do Lima ser campo (1923), já nas suas cercanias – rua da Alegria, esquina da Constituição,  existia (1914), um campo do futebol, que ficou conhecido pelo campo do Luso.
Foi o Sporting Clube Nacional, agremiação mais vocacionada para desportos náuticos, quem comprou o terreno na desaparecida travessa do Seixal, por onde se acedia ao campo.
Em 1924 alia-se este clube ao Portugal Futebol Clube, surgindo daí o Luso Atlético Clube que deu o nome ao campo, que a partir de 1938, quando o clube se extingue, fica na dependência do Académico. Na década de 60, o proprietário (Misericórdia do Porto), urbanizou-o.

Mas não se ficam por aqui os muitos palcos do futebol, na cidade.
Desde cedo que, junto à estação de Campanhã, surge um campo de futebol, que ainda hoje lá está. Em agonia, mas ainda servindo ao velhinho Desportivo de Portugal.
Conhecido agora por Ruy Navega, começou por ser o campo de Benjóia (curiosamente também, por estes dias, diz-se Bonjóia).

A certa altura da sua vida, passou a servir ao grupo desportivo de uma fábrica de esmaltagem das imediações, a Mário Navega, e por isso passou a ostentar o nome do seu presidente, e filho do dono da fábrica. Já agora, neto também do fundador dela. O senhor Minchin.
Por vezes aparece a citação do campo Mário Navega, mas isso foi nome que nunca teve. Trata-se apenas de o relacionar com a fábrica, sua proprietária.
Extinto o clube, acabada a fábrica, o Desportivo voltou às origens.


Também o desporto corporativo viria a ter os seus espaços próprios. Os ferroviários, através do seu clube, criam um espaço designado por campo de Vila Meã, que é o lugar onde se instalou, e que hoje serve de leito à auto-estrada. Mas este campo também era designado por Bonjóia, nome alargado do sítio. Mas oficialmente o campo era designado por engenheiro Sousa Pires.

É mais ou menos por alturas de 1924, que se inaugura um novo campo de futebol. Começa por ser chamado de campo de Lamas, e serve ao Sporting da Cruz ainda hoje. Adoptou posteriormente a designação de campo do Outeiro.

É também dos anos vinte, a implantação do campo das Cavadas. Era o campo do Vigorosa, que embora tenha estado no futebol, fê-lo sempre de forma insípida. O campo, que ficava próximo do estádio das Antas, e foi cortado ao meio pela estrada que mais tarde serviu de leito à auto-estrada, em Costa Cabral, junto ao Conde de Ferreira. Inicialmente serviu ao Clube de Tiro do Porto, instalado então na Quinta do Calvário.

Mas nesta viagem pela memória dos campos na cidade, temos de citar aqui um primitivo campo, que ficava na travessa da Avenida de França (!), e que serviu ao Grupo Sportivo Estrela, um daqueles pioneiros dos princípios do futebol nestas bandas. Ainda não conseguimos localizá-lo.

Outro campo dos primeiros tempos, e que até promoveu uma fusão dos clubes da cidade – o Sporting Clube de Francos, que tinha um campo junto à linha do comboio e da rua Airosa, e o Figueirense Futebol Clube, que jogava na Senhora da Hora. Mas estes voltam ao futebol, e o Figueirense foi jogar para Corim. Mas também daqui o clube foi despejado, pois o senhorio vendeu o campo, e o Figueirense viu na fusão com os de Francos, uma saída. Nascia assim a União de Francos Figueirense.

Entretanto a cidade viu nascer outros campos, mas esses muito mais recentes, e activos.
Falamos dos recintos do Inatel, Universitário, Antas e depois Dragão, Cerco do Porto….

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(a) – Não tem sido fácil localizar este campo. Mesmo de gente contemporânea, que sempre viveu nestes sítios, a resposta, quando perguntados pelo campo da Praça das Flores, é:

“aqui nunca houve nenhum campo!”

E realmente, juntando todas as peças, tudo aponta para o Belavista, que tem início nos anos anteriores à formação da AF Porto. Baseio-me no que fica dito.

O campo da Praça das Flores

Surge o Clube Desportivo do Porto no futebol da Promoção em 1926.
Consta nos jornais da época que este clube terá desde logo alugado e adaptado um terreno na travessa da Fonte Velha, próximo da rua de S. Roque da Lameira.
O clube joga aqui desde logo, e em 1928 vê o seu campo vistoriado e aprovado pela AF (1).
Nesta circunstância, seria este o sítio do primitivamente designado por campo da Praça das Flores?
Entretanto, a revista “Sporting” (2) fala deste campo, dizendo-o exíguo – chama-lhe mesmo “quintalejo”, e além disso diz que ele é perigoso, por ser atravessado por várias linhas de alta tensão.
Ora é exactamente na pista destas linhas, que elaboramos a convicção de que o citado campo da “Praça das Flores” é, nem mais nem menos, do que este campo da Belavista.
A ser assim, a origem do campo será remota, pois já em 1913 o CP apresentava uma convocatória do Triumpho SC para este campo (3).

Voltando às linhas, identificamos duas antigas sub-estações nesta zona, (Freixo, que era uma central termoeléctrica. e Antas – rua Monte da Costa), que unidas em linha recta, atravessam o citado campo.

Fica assim convencionado que o campo da Praça das Flores é o campo da Belavista. Até porque que campo seria aprovado ao CD do Porto em 1928, senão este?
Contudo, posteriormente venho a ler num jornal (4), um informe a citar o campo da Praça das Flores no nº 46!


(1)   – JN 19 Fevereiro 1928
(2)   – Sporting Março 1928
(3)   – CP 28 Janeiro 1923
(4)  – PJ 7 Fevereiro 1914


Sporting Clube do Porto, cuja sede ficava na travessa de Campanha, 49-2º fazia o seguinte comunicado:

a Direcção participa a todos os seus associados, que o campo de jogos do clube sito à Praça das Flores nº 46, se encontra à sua disposição todos os domingos e feriados nacionais, pelo que ficam convidados a nele comparecerem, para assim se utilizarem dos seus direitos.

O secretário – Ilídio Barbosa


campo
ano
clube
Observ
Benjoia


Desp. Portugal – Ruy Navega
Construtora



Cruz das Regateiras

Académico

Ervilha

Foz

Francos



Gomes Leal



Invicta


em Paranhos – citado 1923
Ramalde

Académico
depois Ramaldense
Ramalde-B



Serra do Pilar


Em Gaia
União Foz


Na rua Marechal Saldanha
Raínha
1906
FC Porto

Bessa
1911
Boavista
Mascarenhas Júnior
Constituição
1912
FC Porto

Praça das Flores
1913

citado em 1923, aprovado em 1928
Luso
1914
Luso Atlético Clube
depois do Académico
Carvalhido
1915
Nun’Álvares

Covelo
1922
Salgueiros

Amial
1923
Progresso

Lima
1923
Académico

Cavadas
1924
Vigorosa

Belavista
1926
CD Porto
depois do Faísca e Sport Cl. Porto
Vidal Pinheiro
1932
Salgueiros

Bonfim
1937
CD Porto
Soares Martins
Vila Meã
1941
Ferroviários
Eng. Sousa Pires
Progresso
1947
Progresso
Cp. Queirós Sobrinho (rua Amial)


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