Recordar
Aveiro através das suas memórias do futebol (1), aprofundando o que eram esses
tempos de finais do século XIX, onde o exercício físico, pouco cultivado, sofre
um impulso com a chegada do futebol.
Até
aí, apenas as classes abastadas se dedicavam a alguns desportos, vistos como
elitistas pela selecção dos intervenientes, e pelos custos da sua prática, como
eram o ciclismo, o ténis e o golf.
Também
as touradas, essencialmente como espectadores, se inseriam nos tempos livres
duma classe de gente abastada.
E é
então que alguns dos desportistas da aristocracia se envolvem na divulgação
desse jogo que irrompia um pouco por
todo o lado: o futebol.
Entre
estas figuras de relevo social, surge uma figura marcante, muito dado ao
desporto, e acima de tudo com grande capacidade de liderança. Falámos, claro,
de Mário Duarte (pai).
Assim,
no início dos anos vinte, por impulso destas gentes, assiste-se a um entusiasmo
que irá promover o futebol em todo o lado, e jogado por muita gente. Surgem
então os muitos torneios, dotados de Taças e dos Bronzes mais variados, com o
pretexto de agitar as épocas desportivas, onde se movimentavam já as muitas equipas
que se formavam ao sabor da ocasião.
Claro
que nesta altura o grande óbice era o campo. Nada que a capacidade de
improvisação lusa não resolvesse, e é assim que o Rocio surge como eleito.
Mas
a sua “polivalência” impede que se proceda à sua vedação, e assim a recolha de
receitas fica sacrificada.
Em
Março de 1922 começa a “Taça Aveiro” do Galitos onde estão a Escola Musical
José Estevão, a Caixa Escolar José Estevão, mais conhecida pelos “Académicos”,
o Estrela Foot-Ball Club, o Sport Club Aveirense, e a Infantaria 24, que
usufruía de benesses especiais, como a isenção do pagamento de inscrição, como
claramente citava o Regulamento da Prova.
O
Onze Vouga (segunda equipa do Galitos), e o Onze Negro (segunda equipa do Beira
Mar), são os derradeiros participantes.
Todos
eram candidatos a ganhar a “Taça”, que só seria verdadeiramente sua, se a
vencessem por 3 vezes.
Entretanto
o “incómodo” do campo do Rocio já tinha levado as forças vivas a procurar um
novo espaço para campo de jogos, que se focou na zona do Côjo.
Os
desportistas de então (2) procuram convencer o presidente da Câmara, que era
Lourenço Peixinho, pedindo-lhe uma brigada de operários para a necessária
terraplanagem do espaço. Não foi fácil a empreitada, mas lá a levaram a bom
porto.
Contudo
aqui, havia algumas restrições funcionais que dificultavam também a vedação, os
acessos não eram famosos, e tudo isso eram limitações, que foram exaltadas no
jornal “Sportivo”, que a 1 de Novembro de 1923 nos dá um excelente “retrato” da
situação.
“ A
quem competir, lembramos a conveniência de se taparem as valas que circundam o
campo.
É
lamentável que tenham conservado aquilo naquelas condições, pois além de ser
uma verdadeira porcaria, dificulta a entrada, e é ainda uma perfeita ratoeira
para algum descuidado.
Então
aquela que corta a antiga estrada do Americano, não tem perdão nenhum.
Nem
ao menos fizeram uma ponte com meia dúzia de couçoeiras para se passar sem a
pular.
Mas
como os saltos também são sport, bate certo!!”
O
espírito de competição está enraizado, mas a anarquia que o acompanha debilita
esse entusiasmo. Há que dar regras à competitividade.
Mário
Duarte tem a descendência a seguir-lhe os passos, e em Outubro de 1924 ajuda à
concretização da criação da AF de Aveiro.
Este
acontecimento marcante já havia tido uma primeira abordagem 2 anos antes, pela
mão de Mário Duarte (pai), que havia convocado todos os clubes da cidade para
uma reunião no Clube que tinha o seu nome (“O Debate” 27 de Abril de 1922, pág.
2, ver também Os Sports de 15 Janeiro 1924).
As
sucessivas reuniões de delegados dos clubes levam ao estabelecimento dos
Estatutos, que ficam a dever-se a Joaquim Moreira do Sporting de Espinho, que
os redigiu, bem como o Regulamento das Provas. Fica a presidir Mário Duarte
(pai). Abrem-se as inscrições e são 10 os clubes que se perfilam em 1ªs categorias,
13 em segundas, e 6 nas terceiras.
Iam
ter lugar as competições organizadas. Como a Associação estabelece que serão 5
os clubes na divisão principal, determina-se um “Torneio de Iniciação”, que
visa selecionar 2 integrantes do I Campeonato de Aveiro, onde já estavam o
Galitos, Beira Mar e Espinho (3). Já havia palco adequado. Em Maio deste ano de
1924, havia-se inaugurado o campo de S. Domingos (4), que um empreendedor local,
Álvaro Lé, tinha achado por bem promover. Foi com um Galitos-Boavista, que os
de Aveiro venceram por 3-0, que o campo foi inaugurado.
(relacionado
com a história deste recinto, ver Os Sports de 26 Janeiro pág. 3, e 20
Fevereiro de 1931, pág. 2)
Os
clubes
Nas
primeiras categorias estão:
- Associação Desportiva Ovarense
- Associação Desportiva Sanjoanense
- Clube Galitos
- Sport Anadia
- Sport Clube Beira Mar
- Sport Clube Cocujanense
- Sporting Clube de Bustelo
- Sporting Clube de Espinho
- Sporting Clube Oliveirense
- União Desportiva Oliveirense.
estão
ainda nas categorias inferiores:
- Águia
Sport Clube
-
Fogueirense Foot-Ball Club
-
Estrela Foot-Ball Club
-Sociedade
Recreio Artístico
-
Sporting Clube Vista Alegre
As
terceiras categorias apresentam um Sport Clube D’Ovar, sendo que o Paços de
Brandão Futebol Clube joga às segundas-feiras.
Entretanto
a época seguinte não seria tão participada. Apenas se inscrevem 5 clubes em
primeiras, embora o Beira-Mar venha a desistir. Não tinha campo, e o de S.
Domingos foi alugado pelo Galitos. Ofereceu 5 contos por ano, em contraponto
aos 40% brutos por jogo que o proprietário queria. Mas a repercussão no subaluguer
ao Beira-Mar motivaram a discordância deste. Assim o campeonato jogou-se por 4
equipas, tantas quanto as concorrentes à Promoção, sendo que 3 delas eram de
Ovar.
1926/27
e 1927/28 apenas tiveram 3 equipas a competir, com os campeonatos a
arrastarem-se, depois de apenas terem início em Abril. Estava dado o mote para
que a AF fosse para Ovar, donde só sairia em 1942.
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(1)
– ver a descrição de Mário Duarte, filho, do aparecimento do futebol em Aveiro,
no “Campeão das Províncias 10 de Novembro de 1923, pág. 3.
(2)
- Também o presidente do Galitos já havia enviado uma carta explicativa das
diligências havidas, ao jornal “O Debate” de 9 de Março de 1922, pág. 2.
(3)
– a competição seria anulada
(4)
– também o Atlético Aveirense, presidido por Mário Duarte (filho) tinha desde
Abril de 1924 o seu campo da rua da Corredoura (hoje rua Caçadores 10).
O
futebol no distrito fica marcado por um episódio de relevo, que tem a ver com a
circunstância de a determinada altura, as associações de futebol serem duas!
Aqui
fica um contributo para a sua clarificação.
As
duas AF em Aveiro
O
Jornal de Sports de 20 de Janeiro de 1935, publica uma entrevista com Joaquim
Feijó (5), que na altura é dirigente da Sanjoanense, e que foi um dos leaders
do movimento de criação de uma nova AF, que teve na origem uma ocorrência com a
Sanjoanense.
Tudo
começou com a derrota destes, em casa com a Ovarense.
Invasão
de campo, agressão ao árbitro, derrota e castigos, tiraram a vitória no
campeonato, que aquela já julgava garantida.
O
corolário foi o jogo em Aveiro, que o Beira-Mar ganhou, e a Sanjoanense
protestou. Alegou que o jogo não tinha durado o tempo regulamentar, e o árbitro
escreveu-o no relatório. Mas este era dirigente da Sanjoanense, e a AF castigou
a Sanjoanense com 1 ano de suspensão, após ter mandado fazer um inquérito.
Estes
incidentes na competição levaram ao aparecimento de uma nova AF, criada por
iniciativa da Sanjoanense, instalada em Aveiro, e com a concordância dos 2
clubes da cidade.
Tinha
estatutos aprovados pelo Governo Civil, o que a outra, a instalada em Ovar, não
tinha. Mas a Federação não aceitou esta habilidade, e foram os clubes da AF
“ilegal” que jogaram a II Liga. Esta associação de futebol organizou os seus
campeonatos, dividindo os clubes por divisões, mas cedo alguns desistiram, e a
legal associação de futebol fechou portas. Só em 1942 a AF sairia de Ovar.
Como
a competição não permitia apurar a tempo os representantes do distrito ao
Campeonato da II Liga, em AG foi decidido escolher os 3 representantes do
distrito para os nacionais, na perspectiva desta nova AF, e que foram:
Associação
Desportiva Sanjoanense
Clube
Galitos de Aveiro
Beira
Mar Sport Clube
Os clubes desta “nova” associação eram:
Clube
Galitos
AD
Sanjoanense
SC
Beira Mar
SC
Arrifanense
Foram
indicados à FPF, para participar na 2ª Liga:
Sanjoanense
Galitos
Beira
Mar
Em
FEV de 1935 iniciam-se os “seus” campeonatos.
HONRA
AD Sanjoanense
RD
Águeda
SC
Bustelo
Vale
Cambra SC
1ª
DIVISÃO – Sul
A
Sanjoanense
A
Águeda
SC
Beira Mar
SC
Albergaria
Stadium
SC
Ílhavo
FC
1ª
DIVISÃO – Norte
SC
Arrifanense
Lusitânia
FC
Fiães
SC
Atlético
CS
FC
Cesarense
S Sanjoanense
PROMOÇÃO
SC
Esperança
CD
Fajoense
Sanfins
Lourosa
Noticiava-se
assim o acontecimento no JN de 11 de Janeiro de 1935 (pg. 8)
(ver
tb A Ideia Livre de 26 Janeiro de 1935, pág. 5 e Correio da Feira 26 Janeiro de
1935, pág. 3, e O Ilhavense de 27 Janeiro 1935)
“Associação
de Futebol de Aveiro
A
maioria dos clubes desportivos do distrito de Aveiro, que tem os estatutos
devidamente legalizados, e portanto se acham na posse dos seus legítimos
direitos administrativos, acaba de fundar a AFA, com sede nesta cidade,
terminando assim a sua existência a ilegalíssima agremiação que, com o mesmo
nome, existia em Ovar, e com o funcionamento da qual todos aqueles clubes se
achavam prejudicados pela forma atrabiliária e parcial que manifestava nas suas
decisões. Perante o despacho de Sua Ex.ª o Governador Civil de Aveiro,
sancionando com o respectivo alvará a fundação da Associação de Futebol de
Aveiro, foi nomeado a seguinte direcção provisória:
Presidente:
Clube dos Galitos; secretário: Associação Desportiva Sanjoanense; tesoureiro:
Sport Clube Beira Mar; vogal: Sport Clube Arrifanense.
Na
primeira reunião efectuada pela direcção, que levou em conta as vitórias
alcançadas em campo pelos clubes inscritos na nova associação, e cuja vida está
legalizada devidamente, foi deliberada apresentar à FPF, para disputarem os
campeonatos das Ligas, os seguintes clubes:
-
Associação Desportiva Sanjoanense
-
Clube dos Galitos
-
Sport Clube Beira Mar
A
notícia da fundação da Associação foi recebida com o maior regozijo e
entusiasmo, não só por todos os desportistas aveirenses, como por muitas terras
do distrito, pois todos esperam que a actuação da nova direcção venha terminar
com o mal-estar em que muitos clubes se encontravam perante a defunta
agremiação, seguindo uma norma de equidade e justiça, dignificante do desporto
no distrito de Aveiro.”
Na
sequência destas disputas a Sanjoanense seria excluída do futebol por um ano, e
o seu campo de Além Rio, interdito a quaisquer jogos por 6 meses, na sequência
de graves distúrbios num jogo com a Ovarense, com agressões ao á árbitro, que
teve de fugir para os pinhais (!) adjacentes.
A
origem da mudança para Ovar (1927), concretizou-se após 3 anos de mau
funcionamento em Aveiro, onde a questão do campo de S. Domingos pesou fortemente,
o que levou os clubes de Ovar, com a concordância de outros de concelhos
vizinhos, a decidirem levar para Ovar a sede da AF.
Os
de Aveiro é que não se conformaram, e fizeram várias tentativas para inverter
os acontecimentos. O pretexto de 1935, quando decidiram criar uma Associação de
Futebol, o que conseguem com o aval do Governador Civil, que assina o
respectivo alvará.
No
comunicado publicado por esta nóvel Instituição (ver JN de 11 Janeiro de 1935,
pág. 8), dá-se conta dos clubes integrantes, e informa-se quais os clubes que
irão ser indicados à FPF para disputar a 2ª Liga (o que se não verifica, pois
os participantes no campeonato (serão os do campeonato da Associação ”ilegal”,
Espinho, Ovarense e Clube Galitos.
(5)
- Diz o dirigente que foram muitos os atropelos da direcção da AF, que estão
nos lugares há largos anos, e cuja situação não seria legal, como lhe terá
relatado um elemento dos Galitos. Isso levou-o a elaborar uma lista, a que
deram cobertura vários clubes, como o Beira-Mar, Vale de Cambra, Águeda,
Arrifanense, Bustelo, Lourosa, Fiães e Atlético, entre outros. Na sequência, e
levada a lista ao Governador Civil, foi por este aceite, tendo assim surgido
uma nova Associação Distrital. Entretanto o Galitos fez marcha atrás, seduzido
pela oportunidade dada pela velha AF, que o “nomeou” para jogar o apuramento
para a II Liga com o Império de Anta.
As
duas AF haviam de continuar por algum tempo, até que ficou só uma, mas
continuando com sede em Ovar, de onde só regressaria à capital do distrito
alguns anos depois. Seria em 1942, por imposição governamental, sufragada em
AG, que ditou a concordância através de 121 votos a favor, havendo outros 50 a dizer “não”.
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Ver
tópicos diversos sobre o tema em:
Comércio
do Porto 30 Novembro 1934, pág. 5
Comércio
do Porto 16 Dezembro 1934, pág. 5
Comércio
do Porto 16 Janeiro 1935, pág. 5
Jornal de Notícias 11 Janeiro 1935, pág. 8
O
Povo de Ovar 24 Janeiro 1935, pág. 6
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Peculiaridades
Numa
pesquisa tão intensa como aquela a que nos propusemos, sempre se encontram
pormenores pitorescos, que pela sua originalidade, não podíamos deixar de dar
relevo. Aqui ficam 2 retratos.
A
“mística” nos anos quarenta.
Os campeonatos
distritais até 1947 eram a fonte de todos os entusiasmos. Uns, porque se viam
em palcos cheios de luzes, outros porque buscavam distracções com “pica”, e
outros ainda porque sim.
Na
época 41/42, no distrito de Aveiro, jogava-se em diferentes patamares, entre as
muitas modestas colectividades filiadas na Associação, e cuja sobrevivência
dependia muito dos seus jogadores. Desportiva e financeiramente.
Das
provas então existentes, a 2ª divisão e a Promoção tinham terminado. Faltava
apenas discutir a passagem entre divisões. Na Promoção o campeão foi o Recreio
de Águeda, enquanto o último da 2ª divisão foi o Bustelo. Havia que discutir em
2 jogos, quem ocupava lugar na 2ª divisão. O primeiro jogo, em Bustelo, deu a
vitória aos da casa. No segundo jogo, também foram os da casa que ganharam.
Havia que jogar-se o desempate.
A
AFA marcou-o para Albergaria, às 16 horas. Mas no fim do tempo regulamentar
havia empate a 2. Tinha que jogar-se o prolongamento. Mas os de Bustelo
recusaram, pois estava prestes a partir o último combóio do dia, e eles
foram-se embora. O Recreio de Águeda subiu à 2ª divisão…
Árbitros…
Relata
o “Defesa de Espinho” (16 de Janeiro de 1938), que o árbitro do jogo
Sanjoanense – SUD de Paços de Brandão, decisivo para apuramento do terceiro
clube para o Campeonato das Ligas, teve uma atitude insólita, que relata.
Terminada
a primeira parte do jogo com o resultado empatado a um, logo no reatamento o
Sanjoanense marcou um golo. Acontece que a bola foi chutada já de fora do
campo, e o bandeirinha chamou-lhe a atenção, mas ele mandou a bola para o
centro do campo, e reatou o jogo. Contudo, logo de seguida, interrompeu-o, pois
lembrou-se que tinha mandado prender o juiz de linha, com quem tinha discutido,
e tinha de encontrar substituto. Mas nesta altura, já o regedor da freguesia e
cabo de polícia, tinha entrado no campo, para lhe pedir para entregar a pistola
de que ele, árbitro (Manuel de Oliveira), era portador, de acordo com os gestos
que fizera, e também com a denúncia de alguns espectadores. O árbitro, então,
deu o jogo por terminado.
Posteriormente,
a Associação de Futebol distrital deu o jogo por anulado, e o jogo foi
repetido.
Sobre
o mais representativo campo de futebol de Aveiro, o estádio Mário Duarte,
inaugurado em 1939, ver “O Democrata” de 11 Março de 1939, pág. 1 e 2.
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É
completado este post com um PDF que contém o apurado nas diversas competições
distritais entre 1924/25 e 1950/51, bem como um Excel onde consta o percurso de
cada um dos clubes sinalizados neste período, e ainda um quadro dos jornais
existentes e consultados. Finalmente também, um mapa com os campeões distritais
da 1ª e 2ª divisões doDistrito.
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