Futebol Saudade

Desde que, há mais de 100 anos, se fez o primeiro campeonato de futebol em Portugal, que a "passerelle", que é a vida desportiva, viu desfilar milhares de clubes.
Uns ainda hoje existem, pujantes e vigorosos até, outros, embora perdendo protagonismo, ainda resistem. Mas muitos ficaram pelo caminho.
Passaram ao futsal, deixaram o desporto, ou fecharam mesmo as portas. É dos que partiram (e não só), que aqui vamos tentar deixar a memória.




segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

AF Aveiro de 1924 a 1950





Recordar Aveiro através das suas memórias do futebol (1), aprofundando o que eram esses tempos de finais do século XIX, onde o exercício físico, pouco cultivado, sofre um impulso com a chegada do futebol.
Até aí, apenas as classes abastadas se dedicavam a alguns desportos, vistos como elitistas pela selecção dos intervenientes, e pelos custos da sua prática, como eram o ciclismo, o ténis e o golf.
Também as touradas, essencialmente como espectadores, se inseriam nos tempos livres duma classe de gente abastada.
E é então que alguns dos desportistas da aristocracia se envolvem na divulgação desse jogo que irrompia  um pouco por todo o lado: o futebol.
Entre estas figuras de relevo social, surge uma figura marcante, muito dado ao desporto, e acima de tudo com grande capacidade de liderança. Falámos, claro, de Mário Duarte (pai).
Assim, no início dos anos vinte, por impulso destas gentes, assiste-se a um entusiasmo que irá promover o futebol em todo o lado, e jogado por muita gente. Surgem então os muitos torneios, dotados de Taças e dos Bronzes mais variados, com o pretexto de agitar as épocas desportivas, onde se movimentavam já as muitas equipas que se formavam ao sabor da ocasião.

Claro que nesta altura o grande óbice era o campo. Nada que a capacidade de improvisação lusa não resolvesse, e é assim que o Rocio surge como eleito.
Mas a sua “polivalência” impede que se proceda à sua vedação, e assim a recolha de receitas fica sacrificada.
Em Março de 1922 começa a “Taça Aveiro” do Galitos onde estão a Escola Musical José Estevão, a Caixa Escolar José Estevão, mais conhecida pelos “Académicos”, o Estrela Foot-Ball Club, o Sport Club Aveirense, e a Infantaria 24, que usufruía de benesses especiais, como a isenção do pagamento de inscrição, como claramente citava o Regulamento da Prova.
O Onze Vouga (segunda equipa do Galitos), e o Onze Negro (segunda equipa do Beira Mar), são os derradeiros participantes.
Todos eram candidatos a ganhar a “Taça”, que só seria verdadeiramente sua, se a vencessem por 3 vezes.

Entretanto o “incómodo” do campo do Rocio já tinha levado as forças vivas a procurar um novo espaço para campo de jogos, que se focou na zona do Côjo.
Os desportistas de então (2) procuram convencer o presidente da Câmara, que era Lourenço Peixinho, pedindo-lhe uma brigada de operários para a necessária terraplanagem do espaço. Não foi fácil a empreitada, mas lá a levaram a bom porto.

Contudo aqui, havia algumas restrições funcionais que dificultavam também a vedação, os acessos não eram famosos, e tudo isso eram limitações, que foram exaltadas no jornal “Sportivo”, que a 1 de Novembro de 1923 nos dá um excelente “retrato” da situação.
“ A quem competir, lembramos a conveniência de se taparem as valas que circundam o campo.
É lamentável que tenham conservado aquilo naquelas condições, pois além de ser uma verdadeira porcaria, dificulta a entrada, e é ainda uma perfeita ratoeira para algum descuidado.
Então aquela que corta a antiga estrada do Americano, não tem perdão nenhum.
Nem ao menos fizeram uma ponte com meia dúzia de couçoeiras para se passar sem a pular.
Mas como os saltos também são sport, bate certo!!”

O espírito de competição está enraizado, mas a anarquia que o acompanha debilita esse entusiasmo. Há que dar regras à competitividade.
Mário Duarte tem a descendência a seguir-lhe os passos, e em Outubro de 1924 ajuda à concretização da criação da AF de Aveiro.
Este acontecimento marcante já havia tido uma primeira abordagem 2 anos antes, pela mão de Mário Duarte (pai), que havia convocado todos os clubes da cidade para uma reunião no Clube que tinha o seu nome (“O Debate” 27 de Abril de 1922, pág. 2, ver também Os Sports de 15 Janeiro 1924).

As sucessivas reuniões de delegados dos clubes levam ao estabelecimento dos Estatutos, que ficam a dever-se a Joaquim Moreira do Sporting de Espinho, que os redigiu, bem como o Regulamento das Provas. Fica a presidir Mário Duarte (pai). Abrem-se as inscrições e são 10 os clubes que se perfilam em 1ªs categorias, 13 em segundas, e 6 nas terceiras.
Iam ter lugar as competições organizadas. Como a Associação estabelece que serão 5 os clubes na divisão principal, determina-se um “Torneio de Iniciação”, que visa selecionar 2 integrantes do I Campeonato de Aveiro, onde já estavam o Galitos, Beira Mar e Espinho (3). Já havia palco adequado. Em Maio deste ano de 1924, havia-se inaugurado o campo de S. Domingos (4), que um empreendedor local, Álvaro Lé, tinha achado por bem promover. Foi com um Galitos-Boavista, que os de Aveiro venceram por 3-0, que o campo foi inaugurado.

(relacionado com a história deste recinto, ver Os Sports de 26 Janeiro pág. 3, e 20 Fevereiro de 1931, pág. 2)

Os clubes
Nas primeiras categorias estão:

- Associação Desportiva Ovarense
- Associação Desportiva Sanjoanense
- Clube Galitos
- Sport Anadia
- Sport Clube Beira Mar
- Sport Clube Cocujanense
- Sporting Clube de Bustelo
- Sporting Clube de Espinho
- Sporting Clube Oliveirense
- União Desportiva Oliveirense.

estão ainda nas categorias inferiores:

- Águia Sport Clube
- Fogueirense Foot-Ball Club
- Estrela Foot-Ball Club
-Sociedade Recreio Artístico
- Sporting Clube Vista Alegre

As terceiras categorias apresentam um Sport Clube D’Ovar, sendo que o Paços de Brandão Futebol Clube joga às segundas-feiras.

Entretanto a época seguinte não seria tão participada. Apenas se inscrevem 5 clubes em primeiras, embora o Beira-Mar venha a desistir. Não tinha campo, e o de S. Domingos foi alugado pelo Galitos. Ofereceu 5 contos por ano, em contraponto aos 40% brutos por jogo que o proprietário queria. Mas a repercussão no subaluguer ao Beira-Mar motivaram a discordância deste. Assim o campeonato jogou-se por 4 equipas, tantas quanto as concorrentes à Promoção, sendo que 3 delas eram de Ovar.
1926/27 e 1927/28 apenas tiveram 3 equipas a competir, com os campeonatos a arrastarem-se, depois de apenas terem início em Abril. Estava dado o mote para que a AF fosse para Ovar, donde só sairia em 1942.
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(1) – ver a descrição de Mário Duarte, filho, do aparecimento do futebol em Aveiro, no “Campeão das Províncias 10 de Novembro de 1923, pág. 3.
(2) - Também o presidente do Galitos já havia enviado uma carta explicativa das diligências havidas, ao jornal “O Debate” de 9 de Março de 1922, pág. 2.
(3) – a competição seria anulada
(4) – também o Atlético Aveirense, presidido por Mário Duarte (filho) tinha desde Abril de 1924 o seu campo da rua da Corredoura (hoje rua Caçadores 10).

O futebol no distrito fica marcado por um episódio de relevo, que tem a ver com a circunstância de a determinada altura, as associações de futebol serem duas!
Aqui fica um contributo para a sua clarificação.

As duas AF em Aveiro

O Jornal de Sports de 20 de Janeiro de 1935, publica uma entrevista com Joaquim Feijó (5), que na altura é dirigente da Sanjoanense, e que foi um dos leaders do movimento de criação de uma nova AF, que teve na origem uma ocorrência com a Sanjoanense.
Tudo começou com a derrota destes, em casa com a Ovarense.
Invasão de campo, agressão ao árbitro, derrota e castigos, tiraram a vitória no campeonato, que aquela já julgava garantida.
O corolário foi o jogo em Aveiro, que o Beira-Mar ganhou, e a Sanjoanense protestou. Alegou que o jogo não tinha durado o tempo regulamentar, e o árbitro escreveu-o no relatório. Mas este era dirigente da Sanjoanense, e a AF castigou a Sanjoanense com 1 ano de suspensão, após ter mandado fazer um inquérito.
Estes incidentes na competição levaram ao aparecimento de uma nova AF, criada por iniciativa da Sanjoanense, instalada em Aveiro, e com a concordância dos 2 clubes da cidade.
Tinha estatutos aprovados pelo Governo Civil, o que a outra, a instalada em Ovar, não tinha. Mas a Federação não aceitou esta habilidade, e foram os clubes da AF “ilegal” que jogaram a II Liga. Esta associação de futebol organizou os seus campeonatos, dividindo os clubes por divisões, mas cedo alguns desistiram, e a legal associação de futebol fechou portas. Só em 1942 a AF sairia de Ovar.
Como a competição não permitia apurar a tempo os representantes do distrito ao Campeonato da II Liga, em AG foi decidido escolher os 3 representantes do distrito para os nacionais, na perspectiva desta nova AF, e que foram:

Associação Desportiva Sanjoanense
Clube Galitos de Aveiro
Beira Mar Sport Clube
    
           Os clubes desta “nova” associação eram:

Clube Galitos
AD Sanjoanense
SC Beira Mar
SC Arrifanense

Foram indicados à FPF, para participar na 2ª Liga:

Sanjoanense
Galitos
Beira Mar

Em FEV de 1935 iniciam-se os “seus” campeonatos.

HONRA
AD Sanjoanense
RD Águeda
SC Bustelo
Vale Cambra SC

1ª DIVISÃO – Sul
A Sanjoanense
A Águeda
SC Beira Mar
SC Albergaria
Stadium SC
Ílhavo FC


1ª DIVISÃO – Norte
SC Arrifanense
Lusitânia FC
Fiães SC
Atlético CS
FC Cesarense
S Sanjoanense

PROMOÇÃO
SC Esperança
CD Fajoense
Sanfins
Lourosa

Noticiava-se assim o acontecimento no JN de 11 de Janeiro de 1935 (pg. 8)
(ver tb A Ideia Livre de 26 Janeiro de 1935, pág. 5 e Correio da Feira 26 Janeiro de 1935, pág. 3, e O Ilhavense de 27 Janeiro 1935)

“Associação de Futebol de Aveiro
A maioria dos clubes desportivos do distrito de Aveiro, que tem os estatutos devidamente legalizados, e portanto se acham na posse dos seus legítimos direitos administrativos, acaba de fundar a AFA, com sede nesta cidade, terminando assim a sua existência a ilegalíssima agremiação que, com o mesmo nome, existia em Ovar, e com o funcionamento da qual todos aqueles clubes se achavam prejudicados pela forma atrabiliária e parcial que manifestava nas suas decisões. Perante o despacho de Sua Ex.ª o Governador Civil de Aveiro, sancionando com o respectivo alvará a fundação da Associação de Futebol de Aveiro, foi nomeado a seguinte direcção provisória:
Presidente: Clube dos Galitos; secretário: Associação Desportiva Sanjoanense; tesoureiro: Sport Clube Beira Mar; vogal: Sport Clube Arrifanense.
Na primeira reunião efectuada pela direcção, que levou em conta as vitórias alcançadas em campo pelos clubes inscritos na nova associação, e cuja vida está legalizada devidamente, foi deliberada apresentar à FPF, para disputarem os campeonatos das Ligas, os seguintes clubes:

- Associação Desportiva Sanjoanense
- Clube dos Galitos
- Sport Clube Beira Mar

A notícia da fundação da Associação foi recebida com o maior regozijo e entusiasmo, não só por todos os desportistas aveirenses, como por muitas terras do distrito, pois todos esperam que a actuação da nova direcção venha terminar com o mal-estar em que muitos clubes se encontravam perante a defunta agremiação, seguindo uma norma de equidade e justiça, dignificante do desporto no distrito de Aveiro.”

Na sequência destas disputas a Sanjoanense seria excluída do futebol por um ano, e o seu campo de Além Rio, interdito a quaisquer jogos por 6 meses, na sequência de graves distúrbios num jogo com a Ovarense, com agressões ao á árbitro, que teve de fugir para os pinhais (!) adjacentes.
A origem da mudança para Ovar (1927), concretizou-se após 3 anos de mau funcionamento em Aveiro, onde a questão do campo de S. Domingos pesou fortemente, o que levou os clubes de Ovar, com a concordância de outros de concelhos vizinhos, a decidirem levar para Ovar a sede da AF.
Os de Aveiro é que não se conformaram, e fizeram várias tentativas para inverter os acontecimentos. O pretexto de 1935, quando decidiram criar uma Associação de Futebol, o que conseguem com o aval do Governador Civil, que assina o respectivo alvará.
No comunicado publicado por esta nóvel Instituição (ver JN de 11 Janeiro de 1935, pág. 8), dá-se conta dos clubes integrantes, e informa-se quais os clubes que irão ser indicados à FPF para disputar a 2ª Liga (o que se não verifica, pois os participantes no campeonato (serão os do campeonato da Associação ”ilegal”, Espinho, Ovarense e Clube Galitos.
(5) - Diz o dirigente que foram muitos os atropelos da direcção da AF, que estão nos lugares há largos anos, e cuja situação não seria legal, como lhe terá relatado um elemento dos Galitos. Isso levou-o a elaborar uma lista, a que deram cobertura vários clubes, como o Beira-Mar, Vale de Cambra, Águeda, Arrifanense, Bustelo, Lourosa, Fiães e Atlético, entre outros. Na sequência, e levada a lista ao Governador Civil, foi por este aceite, tendo assim surgido uma nova Associação Distrital. Entretanto o Galitos fez marcha atrás, seduzido pela oportunidade dada pela velha AF, que o “nomeou” para jogar o apuramento para a II Liga com o Império de Anta.
As duas AF haviam de continuar por algum tempo, até que ficou só uma, mas continuando com sede em Ovar, de onde só regressaria à capital do distrito alguns anos depois. Seria em 1942, por imposição governamental, sufragada em AG, que ditou a concordância através de 121 votos a favor, havendo outros 50 a dizer “não”.
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Ver tópicos diversos sobre o tema em:
Comércio do Porto 30 Novembro 1934, pág. 5
Comércio do Porto 16 Dezembro 1934, pág. 5
Comércio do Porto 16 Janeiro 1935, pág. 5
 Jornal de Notícias 11 Janeiro 1935, pág. 8
O Povo de Ovar 24 Janeiro 1935, pág. 6

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Peculiaridades

Numa pesquisa tão intensa como aquela a que nos propusemos, sempre se encontram pormenores pitorescos, que pela sua originalidade, não podíamos deixar de dar relevo. Aqui ficam 2 retratos.

A “mística” nos anos quarenta.

Os campeonatos distritais até 1947 eram a fonte de todos os entusiasmos. Uns, porque se viam em palcos cheios de luzes, outros porque buscavam distracções com “pica”, e outros ainda porque sim.

Na época 41/42, no distrito de Aveiro, jogava-se em diferentes patamares, entre as muitas modestas colectividades filiadas na Associação, e cuja sobrevivência dependia muito dos seus jogadores. Desportiva e financeiramente.

Das provas então existentes, a 2ª divisão e a Promoção tinham terminado. Faltava apenas discutir a passagem entre divisões. Na Promoção o campeão foi o Recreio de Águeda, enquanto o último da 2ª divisão foi o Bustelo. Havia que discutir em 2 jogos, quem ocupava lugar na 2ª divisão. O primeiro jogo, em Bustelo, deu a vitória aos da casa. No segundo jogo, também foram os da casa que ganharam. Havia que jogar-se o desempate.
A AFA marcou-o para Albergaria, às 16 horas. Mas no fim do tempo regulamentar havia empate a 2. Tinha que jogar-se o prolongamento. Mas os de Bustelo recusaram, pois estava prestes a partir o último combóio do dia, e eles foram-se embora. O Recreio de Águeda subiu à 2ª divisão…

Árbitros…

Relata o “Defesa de Espinho” (16 de Janeiro de 1938), que o árbitro do jogo Sanjoanense – SUD de Paços de Brandão, decisivo para apuramento do terceiro clube para o Campeonato das Ligas, teve uma atitude insólita, que relata.
Terminada a primeira parte do jogo com o resultado empatado a um, logo no reatamento o Sanjoanense marcou um golo. Acontece que a bola foi chutada já de fora do campo, e o bandeirinha chamou-lhe a atenção, mas ele mandou a bola para o centro do campo, e reatou o jogo. Contudo, logo de seguida, interrompeu-o, pois lembrou-se que tinha mandado prender o juiz de linha, com quem tinha discutido, e tinha de encontrar substituto. Mas nesta altura, já o regedor da freguesia e cabo de polícia, tinha entrado no campo, para lhe pedir para entregar a pistola de que ele, árbitro (Manuel de Oliveira), era portador, de acordo com os gestos que fizera, e também com a denúncia de alguns espectadores. O árbitro, então, deu o jogo por terminado.
Posteriormente, a Associação de Futebol distrital deu o jogo por anulado, e o jogo foi repetido.

Sobre o mais representativo campo de futebol de Aveiro, o estádio Mário Duarte, inaugurado em 1939, ver “O Democrata” de 11 Março de 1939, pág. 1 e 2.

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É completado este post com um PDF que contém o apurado nas diversas competições distritais entre 1924/25 e 1950/51, bem como um Excel onde consta o percurso de cada um dos clubes sinalizados neste período, e ainda um quadro dos jornais existentes e consultados. Finalmente também, um mapa com os campeões distritais da 1ª e 2ª divisões doDistrito.


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