Futebol Saudade

Desde que, há mais de 100 anos, se fez o primeiro campeonato de futebol em Portugal, que a "passerelle", que é a vida desportiva, viu desfilar milhares de clubes.
Uns ainda hoje existem, pujantes e vigorosos até, outros, embora perdendo protagonismo, ainda resistem. Mas muitos ficaram pelo caminho.
Passaram ao futsal, deixaram o desporto, ou fecharam mesmo as portas. É dos que partiram (e não só), que aqui vamos tentar deixar a memória.




terça-feira, 4 de maio de 2010

campos de Coimbra - uma viagem na história

(campo da Insua, em 1923. Jogo Académica-Sporting de Lisboa)


A improvisação, que é imagem marcante dos primórdios do futebol, tem por origem a tradicional penúria do povo. Entusiasmado com esse novo jogo que os abastados aristocratas começavam a praticar, logo tratou de os copiar. A singeleza do jogo e a simplicidade dos meios para o fazer, eram mínimas, e por isso a sua apropriação. O óbice maior era o campo de jogos, mas nada que não se resolvesse. Afinal a necessidade sempre aguçou o engenho. Coimbra também tem a sua história, na busca de um sítio para jogar tão entusiasmante jogo.

A associação de estudantes da academia, recentemente estruturada, fazia também dos “sports” uma das suas bandeiras. Por isso solicitou da Autarquia o arranjo do largo D. Dinis, para que o jogo pudesse ali ser praticado! E assim foi, embora um pouco ao lado. A Autarquia cedia um espaço no Parque de Santa Cruz. Era exíguo contudo, e pouco adequado ao “novel sport”.

Por isso que se buscasse local mais apropriado. Acharam-no junto ao Mondego, na Ínsua chamada dos Bentos. Como não há fome que não traga fartura, surgiria entretanto outro campo, conforme rezam jornais da época, e que nos dão conta de que a Escola Agrária tinha criado também um campo de jogos, e convidava os “players” do Moderno para jogar. Seria ali até, que em 1914 a Académica jogaria a Taça Monteiro da Costa. Hoje serve ao basebol.

Mas a academia achava que este campo ficava longe, do outro lado do rio, e aspirava a um recinto adequado e próprio. Relançou as vistas para a antiga quinta dos frades crúzios. Acontecia até que esta, bastante degradada, justificaria uma utilização que lhe trouxesse gente e benfeitorias. Existia até um plano de recuperação, elaborado em 1913, mas sem aplicação por falta de verba.

A pressão feita, trouxe-lhe então a possibilidade de adequar o espaço cedido pela autarquia, para ali implantar um recinto desportivo, que é “inaugurado” em 1918. Muitas carências, ausência de meios básicos, como vedação ou balneários, mas já era um local para jogar os improvisados e casuais jogos, já que então ainda não havia Associação de Futebol, embora existissem campeonatos, organizados por um conceituado desportista, Aurelino Lima de seu nome, e que tinha também por participantes os Treze Unidos, Onze Brancos, Conimbricenses e União, o Vitória, o Nacional e o Moderno.

Mas a Académica não descura o seu sonho de ter um verdadeiro recinto desportivo.

Surge entretanto um “Grupo de Amigos do Parque de Santa Cruz”, que se propõe intervir na beneficiação do parque, e a câmara sente-se compelida a actuar. Expropria terrenos contíguos para alargar a área do parque, melhora a iluminação, planta árvores, cria condições para instalar a autoridade, a GNR, e concede autorização para a implantação do campo de futebol que a Associação suspirava. Esta recebe uma choruda comparticipação governamental, e assim procede à inauguração do seu campo de Santa Cruz, que em 5 de Março de 1922 vê o Reitor apadrinhar a festa, dando o pontapé de saída!

Mas estas coisas do progresso, sempre trazem alguns amargos para os desportistas. Foi assim que a câmara, trazendo de olho os terrenos da Ínsua, logo em Dezembro de 1923 envia para o Conselho do Turismo em Lisboa, o projecto de embelezamento do local. Este é aprovado, e destino está traçado para aquele que foi o primeiro campo a “sério” da cidade. A AF ainda solicita da câmara a cedência por mais 2 meses, e esta manda a pretensão para análise da Comissão do Parque, que é inflexível. Diz não, e manda iniciarem-se as obras, que começam exactamente pelo campo. Desmontagem da vedação de madeira. Estávamos em Março de 1924, e Coimbra ficava só com um campo.

É então que surge então uma campanha dirigida pelo jornal Voz Desportiva, visando criar o “Stadium”, mas este nunca surgirá.

O União cria uma Comissão de aquisição de terrenos em 1926, mas a coisa descamba em especulação imobiliária, e o campo torna-se uma miragem.

Mas as solicitações que as intensas competições criam, aliadas às rivalidades que então se vão criando, fazem com que os outros clubes de então na cidade, União e Conimbricense, também sonhem com o seu campo. E 1928 trás esses campos. O Sport arrenda uma propriedade do conde de Fijó ao Arnado, e durante alguns anos tem ali a sua sala de visitas. Inaugura-a em 28 de Outubro, jogando com a Académica, que vence o jogo por 5 a 1.

Mas o clube nunca teve vida fácil com o campo. Em 1938 um substancial e injustificado aumento, leva-o a ceder na sua utilização. Seria a FPF a assegurar a manutenção, procedendo ela ao arrendamento, e incumbindo a AF da sua gestão. Mas os insaciáveis apetites dos senhorios levaram à sua entrega em 1942. Acabava ali o campo, que só muitos anos depois serviu a uma urbanização.

Entretanto o União arrenda a quinta dos Fonsecas ao Calhabé. Faz anúncio público do facto através dos placard’s do café Santa Cruz, que era à época a “rede social”.

Anunciava-se assim o nascimento do Arregaça, que em 14 de Agosto de 1928 seria baptizado com um União-Espinho. Ainda hoje lá está, confortado agora no seu sintético, que serve à formação.

Ficaram assim as coisas por algum tempo. Mas a ideia do estádio nunca se perdeu na cidade, e é assim que a Câmara procede à compra dos terrenos, que iriam servir ao estádio em 1937.

É por esta altura que surge na cidade um novo clube de futebol. Lusitânia é o seu nome, e tem origem na fábrica cerâmica então existente à estação velha. Constrói também um campo de jogos. É o Loreto que nasce, e tem a sua inauguração em 22 de Outubro de 1939. O clube da casa deixou o futebol em 1958, embora tenha permanecido o campo, para os jogos corporativos dos seus empregados. Desaparece nos anos setenta, dando origem a mais uma urbanização.

Entretanto, as exigências do futebol também vão aumentando, e a Académica, que em 47 está na 1ª divisão, tem de apresentar um campo com determinadas condições, que o Santa Cruz não tem. Vai jogar no Loreto, enquanto se ultimam os trabalhos da 1ª fase do municipal. Passará a jogar aqui em 1949, até hoje.

Ficam assim retratados a passos largos, os caminhos de 50 anos pelos campos de futebol de Coimbra.

Uma excelente imagem destes tempos, é-nos dada pela descrição que o jornal “Diário de Coimbra”, em Outubro de 1946 nos faz , quando se iniciavam as obras do municipal.

“ Quem passar pela estrada da Beira, por alturas da passagem de nível do caminho de ferro da Lousã, depara com uma enorme clareira, no meio do olival, que se estende por toda a depressão que tem o início no Penedo da Saudade, e vai morrer lá longe, junto ao caminho de ferro…”

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