Futebol Saudade

Desde que, há mais de 100 anos, se fez o primeiro campeonato de futebol em Portugal, que a "passerelle", que é a vida desportiva, viu desfilar milhares de clubes.
Uns ainda hoje existem, pujantes e vigorosos até, outros, embora perdendo protagonismo, ainda resistem. Mas muitos ficaram pelo caminho.
Passaram ao futsal, deixaram o desporto, ou fecharam mesmo as portas. É dos que partiram (e não só), que aqui vamos tentar deixar a memória.




terça-feira, 26 de abril de 2011

Bombarralense – um caminho com 100 anos

Apresta-se este prestigiado clube, felizmente ainda activo e até pujante, para comemorar os seus 100 anos de vida.
Tem sido um percurso longo, mas digno de apreço pela vitalidade que revela, e pela perseverança que denota.
Chegados a esta bonita estação fazendo prova de vida, e prometendo mais outros 100 anos de alegrias, será interessante saber o que se dizia há 50 anos atrás.
“Ouçamos” então um dos seus velhos sócios de então, o senhor António Figueira Silva, que publicou um opúsculo a propósito das bodas de ouro que então, 1961, se festejavam, e onde nos dá conta dos caboucos do clube.


Sport Clube Escolar Bombarralense
   1911 – 1961
                               
                                       A COMEMORAR  AS  BODAS de OURO

recordar é viver.
É esta a nobre missão deste livri­nho, que tenho a honra de dedicar a todos os desportistas da minha terra, especialmente aos velhos amigos e gloriosos José Pereira da Conceição, António Mil-Homens (Pila) e Joaquim Rodrigues (Olaia)
Quero ainda dedicar o mesmo, ao Sr. Aníbal Rosado, como sócio no. 1, e um dos    fundadores do nosso Clube.
Aos meus queridos amigos e companheiros da Direcção actual, Srs. Duarte Cipriano Ferreira, Fernando Duarte, Augusto Júlio Rodrigues, Francisco Cunha Jú­nior, Aníbal Feliciano Marques, Abílio Carvalho Santos, Joaquim Pereira, na sua maioria jovens cheios de vontade pelo engrande­cimento do nosso Clube, apesar da falta de recursos de toda a or­dem. Nunca lhes conheci desfale­cimentos, sendo eu o mais ínfimo colaborador.
    duas palavras
Tenho a certeza que este meu trabalho vai receber severa crítica. Não tem qualquer vislumbre de literatura, visto que tenho pouca cultura—sou um modesto operário, quase com meio século agarrado à banca de trabalho — e nunca me passou  pela ideia de ser o autor deste opúsculo. Já me dou por muito feliz se me derem a honra o ler. Mas se se lembrarem de o criticar de maneira destrutiva ou pensarem que o faziam melhor, então recordo o Ovo de Colombo...


DIÁLOGO ENTRE DOIS SÓCIOS

- Boa tarde, Sr. Zé!

- Olá!... como vai você? Está mesmo bom?

- Estou bem, muito obrigado. Se não sou indiscreto, diga-me por favor, onde é a sua ida?

- Vou até ao nosso Clube.

- Então, se não o importunar, faço-lhe companhia.

- Não importuna nada, meu amigo, até me dá prazer, porque é da sua «massa» que eu desejaria ver todas as noites naquela casa. O Clube precisa da frequência de todos os sócios e hoje mais do que nunca.

- Mais do que nunca! .. e porquê?

- Pelo que vejo, você já não vai lá há muito tempo. Até se esquece que essa velha casa existe na nossa terra.

- Tem razão, até me esquece que existe na nossa terra um Clube de tão gloriosas tradições. Mas sabe, Sr. Zé, nós, os rapazes, temos muito onde nos distrairmos: cafés, cinemas, etc, etc, e, francamente, só me lembro do Clube quando o cobrador me bate à porta a pedir-me o dinheirinho das quotas, depois. . .

- Diga, diga!. ..

- ...depois, não tem um bilhar capaz, não tem televisão, o ping-pong nem sempre tem raquetes e bolas, e não existem outros jogos de sala que tanto apreciamos. Além disso, entrei lá algumas vezes e observei muita falta de disciplina, de arrumação, de asseio, enfim..., bem sei que já há tempo que não vou ao Sport.

- Vamos lá.

- Quebro a tradição e volto novamente na companhia dum amigo, que respeitosamente venero.
- Muito obrigado pela lisonja. Embora haja uma grande diferença de idade entre nós, pois eu poderia ser seu avô, não tenho dúvidas em o acompanhar e esclarecê-lo sobre alguns factos da vida do Clube. Quero no entanto informá-lo que no gabinete do Clube não existe qualquer elemento elucidativo da sua fundação, nem do que se passou durante estes 50 anos.

- Ó! quanto gostaria de ouvir contar esses factos ou parte deles se o Sr. Zé estivesse disposto a fazê-lo. Com um bocadinho de boa vontade, hoje o Senhor principia a história, depois, quando houver oportunidade, continua. Valeu?

- Então, vamos lá. Ouça-me com atenção:    
Aproximava-se o primeiro aniversário da implantação da República. A rapaziada desse tempo pretendia festejá-lo com uma pequena festa e com um baile. Havia o Grémio, também conhecido pelo Centro, clube dos velhos «maduros», cuja sala fora solicitada por alguns jovens aos seus directores e prontamente recusada. Alguns desses jovens eram também sócios desse clube e em face da recusa o caso deu uma grande «bronca».
Na dita sala havia um grande reposteiro que dividia o salão principal da sala de jogos.  As cores do reposteiro eram azul e branco, cores da bandeira que passara à história nacional. Os rapazes, que tinham o «sangue na guelra», arrancaram-no e arremessaram-no para cima dos teimosos directores. Em seguida dirigiram-se ao comerciante, Sr. Veríssimo Duarte, e pediram-lhe a cedência de um dos seus armazéns para realizarem o dito baile. Esse Senhor, reconhecendo nesses rapazes os homens do futuro, e na impossibilidade de ceder um armazém, oferece-lhes pelo arrendamento de 4.500 réis por mês a casa que é a actual sede. É claro que havia tabiques a demolir, arranjos grandes a fazer, isto é, muito dinheiro a gastar. Nada de esmorecimentos. Essa rapaziada era de uma têmpera extraordinária, como parece já não existir. Meteram mãos à obra e, aos serões e domingos, concretizaram a grande aspiração da mocidade: uma boa sala para festas com um palco para o seu grupo cénico.

- Ó! Sr. Zé, parece-me inacreditável, mas.. . grupo cénico? Sabe que isso leva o seu tempo a organizar!

- Não meu amigo, não levou muito tempo, porque entre os fundadores do Clube havia alguns com muita habilidade para ensaiarem e representarem quase todo o género de peças teatrais. E ainda fizeram num quintal contíguo à sede, um ginásio com barra fixa, argolas, trapézio, etc.
No arneiro, onde está hoje construído o Teatro Eduardo Brasão, foi feito o primeiro Campo de Jogos.

- Que jogos se praticavam lá? -Vários, meu amigo! Posso até afirmar-lhe que além do futebol —jogo que vi jogar pela primeira vez nessa altura — praticavam também atletismo, tais como, saltos em comprimento, altura e à vara, e era onde partiam e terminavam as corridas pedestres de Velocidade e fundo, como era a Volta à Gafa.

- Também faziam a Volta à Gafa em corrida pedestre?

- Sim, em corrida pedestre. Até lhe digo mais: antes da minha existência, isto é, há mais de 70 anos, já se tinha realizado uma grande prova pedestre, Leiria-Bombarral, na distância de 75 quilómetros, quase o dobro da actual Maratona Olímpica.

- E quem foi o vencedor dessa prova?

- O Sr. Massenço dos Santos, figura bastante conhecida, que faleceu há poucos anos no vizinho lugar do Cintrão.

- Qual seria o prémio, não me sabe dizer?

- Uma libra em ouro das de cavalinhos!
Como vê, o Bombarral já tinha tendência para marcar bem fundo o seu nome com letras de ouro na história do desporto.
Estava nesse tempo predestinado o desenvolvimento da aviação em todo o Mundo e a nossa rapaziada também queria contribuir para esse desenvolvimento, então organizou concursos com «aeroplanos» de vários formatos, feitos de madeiras e telas levíssimas, o que juntava sempre grande assistência a aplaudir os seus concorrentes.

- O quê, já praticavam aviação sem motor?
Não era aviação sem motor como se pratica actualmente, mas sim aparelhos quase idênticos e lançados pelos mesmos processos como hoje fazem com os «papagaios» ou «estrelas», isto é, presos por um cordel.
Evidentemente que o vencedor era o que o mantivesse mais sereno no ar e que tivesse feito a sua construção com melhores características.
Enfim, era sempre um dia de festa no Bombarral.

- Pelo que me conta, apesar de o Bombarral estar presentemente mais desenvolvido, agora é uma sombra do que foi!

- Também não é bem assim. A nossa terra tem hoje o triplo ou mais da população que existia nesse tempo e, como deve calcular, tudo se conjugava nas organizações do nosso Sport e numa filarmónica que também havia no Bombarral, de forma que qualquer festa que fosse organizada pelo Clube era logo coadjuvada pela filarmónica, ou vice-versa. Por consequência, era o que se chamava «malta fixe».
- Sabe, Sr. Zé, cada vez estou mais interessado em ouvi-lo. Porque não há hoje a mesma união como havia nesses tempos? Que grande seria o nosso Clube!

- Grande foi e grande tornará a ser. Sabe porquê? Foi grande porque passados poucos anos de existência surgiu dentro dele uma plêiade de jovens atletas que não posso deixar de citar os seus gloriosos nomes, não só pelo muito que o Clube lhes deve, como até mesmo a sua terra, que a honraram tão dignamente.
São eles os gloriosos ciclistas: José Pereira da Conceição, Feliz Pereira da Conceição, Miguel Jorge das Neves, Joaquim Rodrigues (Olaia), etc.

- Pode fazer-me o favor de mencionar alguns factos desses heróis do desporto do Bombarralense?

- Posso mencionar simplesmente os que mais gravados estão na minha memória: O Bombarralense preparava os três primeiros citados atletas para disputar em Lisboa a célebre «Taça de Portugal». Isto em 1916. Era uma grande aventura, uma incerteza.
A «Taça de Portugal» era como as Pombinhas da Catrina, andava de mão em mão. Em 1911 e 1912 esse troféu fora ganho pelo Sport Clube Progresso, em 1913 e 1914 pelo Sporting Clube de Portugal e no ano seguinte passou para a posse do Lusitano Clube Ciclista.
A nossa equipa, apoiada por um grande amigo nosso, Sr. Francisco Cordeiro, que era também um grande praticante da modalidade que vivia na nossa terra, parte para Lisboa cheia de esperança na conquista da prova.
Apesar da expectativa geral a nossa equipa ganha a prova por uma grande margem de avanço, isto é, primeiro, segundo e quarto classificados.
Houve grande festa na terra com música, foguetes e um grandioso baile.
No ano seguinte, 1917, é enviada a mesma equipa e novamente o Bombarralense inscreve o seu nome, como brilhante vencedor, pela segunda vez consecutiva.
Para ganhar a «Taça de Portugal» definitivamente, qualquer clube teria que ser vencedor 3 anos seguidos ou 5 alternados.
Já nessa altura os grandes jornais diários da capital se referiam ao ciclismo bombarralense com grandes títulos.
Devido aos efeitos da primeira Grande Guerra, no ano seguinte não se disputou a prova, e em 1918 o Bombarralense é convidado a entregar a Taça ou a disputá-la novamente. Os jornais noticiavam a organização de fortes equipas na Capital e no Norte para darem réplica ao Bombarralense.
Depois de uma preparação intensa dos nossos ciclistas, adoece Miguel Jorge das Neves. Faltavam poucos dias para a grande corrida decisiva que nos podia encher de glória e elevar bem alto o nome do Bombarral. Devido ao facto, o desânimo era muito grande em toda a região, pois antevia-se o grande dia da vitória cheio da mais transbordante alegria. Havia um rapaz vigoroso, mas pouco experiente ainda, Joaquim Rodrigues (Olaia). Depois de ter feito alguns treinos com José Pereira da Conceição, este garante a sua eficiência na equipa. Houve uma sensação de alívio na população.
Os corredores partiram para Lisboa cheios de fé, dispostos a darem tudo por tudo para não deixarem os seus créditos por mãos alheias. Ape­nas tinham a apoiá-los, simplesmente, alguns conterrâneos e amigos do Bom­barral.
Chegada a hora H, partiram pe­las estradas fora, com tal gana, com tal entusiasmo, que os seus adversários jamais os puderam alcançar. Fizeram a prova completamente à vontade, sendo os três primeiros classificados: José Pereira da Conceição, Joaquim Rodrigues (Olaia) e Feliz Pereira da Conceição.

- Faço uma pequena ideia do que se passou então no Bombarral!

- Foi um Verdadeiro delírio im­possível de descrever, a alegria che­gou a todos os rostos, veio tudo para as ruas, os Heróis eram abraçados e levados aos ombros. Só visto! Um dia grande para o Bombarral.
Os jornais do dia seguinte traziam grandes títulos sobre o acontecimento. O Diário de Notícias dizia: «A Equi­pa Fantasma do Bombarral ganha de­finitivamente em ciclismo a «Taça de Portugal». O Século: «A imbatível equipa de ciclismo do Bombarral é vencedora absoluta da «Taça de Por­tugal».

- Que admirável! Até sinto em mim qualquer coisa que não consigo explicar. Não calcula como estou con­tente de o ter acompanhado. Proporcionou-me um serão tão feliz e provei­toso, pois fiquei a saber aquilo que até aqui desconhecia.

- Como Você, há muitos, meu amigo, que abandonaram estas salas, ignorando que nelas se solenizaram grandes feitos que honram não só o Clube como o Bombarral.
Mas voltando ainda aos feitos do ciclismo da nossa terra, quero lembrar-lhe também a grande prova Porto-Lisboa, uma das maiores que se realizam no nosso País e numa só tirada de 350 quilómetros nesse tempo.
José Pereira da Conceição, representando o nosso Clube, ganha o IV percurso. No ano seguinte vence o V com o avanço de quase 40 minutos sobre o segundo classificado. Nessa prova participou também, António  Mil--Homens (Pila), que se classificou brilhantemente em terceiro lugar.
Não pode calcular qual foi o delírio que atingiu o Bombarral nessas alturas. Viveram-se momentos que não mais saiem da memória daqueles que tiverem a honra de assistir a eles.
No VI Porto-Lisboa, novamente alinhou a nossa equipa, alcançou a segunda e terceira classificações, apenas a escassos segundo do primeiro.

- O Bombarralense já se fez representar na Volta a Portugal?

- Sim, na segunda. Essa grande prova foi organizada pelo Diário de Noticias com a cooperação do jornal desportivo Os Sports. Principiou em 6 de Setembro de 1931.

- O Sr. Zé lembra-se também quem representou as cores do nosso Clube?

- Foi o ciclista Joaquim Miguel Jorge, que conseguiu ser o melhor trepador, segundo os críticos desportivos da Volta.

- E qual foi a sua classificação geral?

- Se não estou em erro foi em nono. Se tivesse aproveitado as ocasiões das fugas teria tido uma invejosa classificação, segundo os críticos da Volta.
E o Sport ainda esteve representado noutra Volta a Portugal pelos ciclistas César Pereira e Abílio Gomes.

- Mais alguns ciclistas do Bombarral correram na Volta a Portugal?

- Sim, os irmãos Joaquim Cairel, pelos fortes, e José Cairel, pelos fracos, mas em representação do Cruz Quebrada, de Lisboa. O primeiro classificou-se em 14." e o segundo desistiu por doença.
Mas no meio de tantos momentos de glória que guindaram o Bombarral a uma posição por tantos ambicionada, também tivemos as nossas desditas. Entre elas, a mais dolorosa, passados nestes cinquenta anos, foi a morte do jovem e sempre saudoso ciclista Francisco Mata, ela foi originada por uma queda na estrada quando em competição desportiva defendia, tão brilhantemente, as cores clubistas nuns festejos realizados em Alcobaça. Em  sinal de luto, por tão trágico acontecimento, os organizadores suspenderam o resto do programa desportivo. No seu funeral, uma das maiores manifestações de pesar da nossa terra, até se fizeram representar as colectividades desportivas de Alcobaça, Peniche, etc.
Nunca o esquecemos! No próximo dia 5 de Outubro o Clube promove uma romagem à sua campa para prestarmos ao saudoso atleta a nossa homenagem.
Teria muito que contar sobre ciclismo, mas tenho que me limitar, no entanto, ainda quero acrescentar mais o seguinte: por intermédio dos jovens Joaquim Hermínio e Manuel Lino Avelar alcançámos os Campeonatos Nacionais nas categorias de iniciados e amadores, juniores e seniores, respectivamente. Na categoria de Amadores, destaco os grandes triunfos e troféus conquistados pelos não menos valorosos ciclistas, Miguel Rodrigues, Lopes, António Augusto, Mira e outros, nos circuitos de Aradas (Aveiro), Algarve, Matinhos, Peniche, Gaeiras, Moscavide e Lisboa.
Aqui cabe bem fazer uma referência a três bons amigos e dedicados associados do Bombarralense: João Franco, Jaime Gomes Duarte e Frederico Gomes Duarte, que tanto se distinguiram no auxílio ao Bombarralense e à sua secção de ciclismo.
Agora vamos conversar um pouco sobre futebol.     

- Está bem, vou prestar-lhe toda a atenção, visto ser uma modalidade que muito aprecio.

- Então, vá ouvindo.

- Quem viu como eu o que era o futebol por volta de 1918, terá que se curvar e render homenagem àqueles valorosos atletas que tão desinteressadamente honraram as cores do nosso Clube.
Sem melindre para ninguém dos que alinharam nas suas equipas, começo por prestar a minha homenagem, com muita saudade, ao dedicado e, sem dúvida, o melhor  futebolista de todos os tempos da nossa terra — Marcelino Pereira. Quantas e quantas vezes, por compromissos assumidos pelo Clube, a equipa tinha que jogar fora sem o seu melhor conjunto. Mesmo desfalcadas, as equipas regressavam com vitórias, quase milagrosas. Porquê? porque nessas equipas nunca faltava o cérebro e os hábeis pés de Marcelino. Grande atleta, esse rapaz! Além de grande jogador de futebol, tão grande, que muitas vezes foi reforçar o Sporting Clube de Portugal e o Carcavelinhos Futebol Clube, de Lisboa, foi também um corredor pedestre fundo, ganhou uma vez o Caldas-Bombarral, em 1 hora e 15 minutos.
Aproveito a ocasião para lhe lembrar quem foi o grande corredor do mesmo género, Olívio Mil-Homens. Este atleta foi campeão do  Sport nos 5, 10 e 20 mil metros. O seu record no Caldas-Bombarral é de 1 hora e 8 minutos. Foi campeão distrital dos 5 mil metros. Perdeu em Lisboa o Campeonato Nacional, porque foi acometido por tal indisposição que lhe ía sendo fatal, isto já muito próximo da meta.

- Então, sobre futebol, não há mais nada de assinalável a destacar?

- Há, sim. O futebol nessa época era inteiramente amador. Até as deslocações da equipa à Marinha Grande, Leiria, Alcobaça, Coimbra, e a outros pontos, eram sempre pagas pelos jogadores com mais possibilidades monetárias, nada pagando os que tinham dificuldades. Não nos devemos esquecer de um Joaquim Pereira Bernardino, Henrique e Júlio Ferreira dos Santos, Vicente Cardoso, José Rego, Humberto Pimentel, Esteves, Lima, Estelita, Alberto Peres e tantos outros.
Quanto ao futebol da época mais recente, houve, também, boas equipas, uma delas disputou a 2.a Divisão Nacional, uma das primeiras do distrito de Leiria que entrou nessa competição. Por elas passaram grandes valores de destaque, como Alberto Pereira Bernardino, Duarte Ferreira, Lacerda, Manuel e Tiers Mil-Homens, Armindo, Elmano, Parra, Bailão, Panamá, Madeira, Pardalinho, Roderico e Hernâni Patuleia, Leonaldo, José Carlos, Catita, e muitos outros de não menos valor que de momento não me ocorrem.
Foi do nosso Clube que saiu para o S. L. e Benfica um bom jogador Alberto Cardoso; para o extinto União de Lisboa, Manuel Nunes da Silva; para o Belenenses, Perfeito Rodrigues; para o extinto Carcavelinhos, Parra, etc. Mais recentemente, foi para o Caldas, João Fernando Cardoso.
Depois enveredou-se pelo profissionalismo, o que ía levando o Sport à completa ruína. As receitas não compensavam as despesas com ordenados e muitos outros encargos que cada vez se avolumavam mais, os quais tornam impossível a prática do futebol nos clubes da Província. Só por capricho de alguns dirigentes e associados se manteve a prática da modalidade, mas, como não podia deixar de ser, teve que acabar, deixando o Clube num verdadeiro caos.
É muito de lamentar que o nosso Clube não tenha a sua equipa de futebol, mas enquanto as entidades competentes não legislarem no sentido de, pelo menos, diminuírem os pesados encargos que recaiem sobre os clubes que pratiquem o amadorismo, o futebol não é praticável no nosso Clube.
Depois surgiram outras Direcções que procuraram, com bastantes dificuldades, diminuir as dívidas, e a presente continua empenhada na mesma tarefa, embora com alguns sacrifícios.
Com a boa cooperação de todos, a presente Direcção pretende chegar ao fim do seu mandato com todas as dívidas saldadas e gritar bem alto que apenas tem favores em débito!

- Isso era o ideal, Sr. Zé! Mas como podem conseguir receitas para liquidar as dívidas que têm?

- A Direcção tem o seu programa elaborado. Não falta boa vontade em o realizar. Ela é composta, na sua maioria, por jovens com verdadeiro amor ao Clube, pelo que temos o melhor a esperar deles.
Na altura das Bodas de Ouro já deve estar completamente remodelado o Campo de Jogos com rectângulo para futebol, pista de ciclismo e, possivelmente, também uma carreira de tiro, pelo que já se está inscrito na Federação Portuguesa de Tiro. Também se está inscrito na Associação Regional do Centro de Pesca Desportiva, a pedido de alguns associados praticantes da modalidade.

- Não esperava que se fizesse tanto em tão pouco tempo!

- Desde que haja vontade não há impossíveis, meu amigo. Para lho provar, lembro-lhe que o nosso Clube até já teve uma Secção Fluvial!

- Isto é espantoso! Como foi isso possível? Mas onde praticavam essa modalidade?

- No Rio Real, junto à Ponte Nova! Lindos festejos lá se fizeram  com iluminações à minhota pelas margens do rio e no seu choupal. Realizaram-se corridas fluviais com barcos a remos, natação, torneios de tiro aos pombos, corridas de bicicleta e a pé, etc.
Se hoje se pretendesse realizar um festejo naquele local, haveria grandes dificuldades a Vencer, contudo não deixaria de ser interessante.

- Desconhecia tudo isso.

- Você não me disse no princípio do nosso conversa que as nossas salas tinham falta de jogos?

- Exactamente.

- Então venha cá. Veja primeiramente o bilhar, foi oferecido pelo saudoso e dedicado amigo do Sport — Franklim Nunes. O pouco que sei, aprendi nele, apesar de se encontrar nessa altura num estado deplorável, se fosse hoje não perdia tempo algum com ele. Agora deve ser o melhor que se encontra no Bombarral e tem uma taqueira completamente nova.
Seguimos até ao Ping-Pong Você que pratica a modalidade, diga-me se o material que dispomos o satisfaz plenamente?

- É muito bom.

- Ainda há uma outra mesa que não funciona por falta de lugar apropriado para a colocar, em breve o caso será resolvido.
Agora veja estes dois jogos de bonecos: o futebol e o hóquei.
Ainda há mais! Venha à sala principal que lhe quero mostrar o aparelho de Televisão que a Direcção adquiriu com o apoio de uma grande parte dos associados. Para que os seus sucessores não tivessem que arcar com o pagamento das prestações, foi pago a pronto. Não calcula a diferença para mais que se notou na frequência dos sócios e suas famílias.
E as matinées dançantes aos domingos!? Também tem sido um grande atractivo! Enfim..., isto parece  um céu aberto! Creia que me sinto muito feliz por ver reanimar esta casa onde passei o melhor da minha mocidade. Com que saudades me lembro desses tempos que não Voltam mais. . .

- O Sr. Zé também praticou algum desporto?

- Sim, pratiquei. Fiz parte do infantil Vitória Futebol Bombarralense, clube fundado pelo amigo Manuel Pereira da Silva. Mais tarde ingressei na categoria de honra do Sport. O Vitória que existia com grande sacrifício do seu fundador, tinha autorização do S. C. E. B. para se utilizar do seu campo de jogos, com a mira, já se vê, de recrutar os futuros atletas para as suas fileiras. Assim, passaram do Vitória para o Sport: Rui, Manuel Acácio, Duarte Ferreira, Alberto Bernardino, Fernando Rosado e outros.
Nesse tempo, nós tínhamos tanto orgulho em fazer parte da equipa do Bombarralense que sentíamos grande desgosto quando algum elemento melhor nos substituía. Depois, mais tarde, apareceram outros com largos sonhos no firmamento... . e o cantar era outro... Então, quando era solicitado o seu concurso na defesa das cores clubistas, quase que era preciso ir buscá-los a casa num bom «espada», esquecendo-se que os seus antecessores se deslocaram por caminhos quase intransitáveis, num «expresso» puxado por 3 muares. Eram tais os solavancos, que nos  maçávamos mais na viagem do que praticamente no desafio.
A vida é assim: passa-se o bom e o mau!
E meu amigo, o que me diz ao facto de em tempos ter funcionado no nosso Clube, já por três vezes, Cursos de Ginástica e uma Secção Cultural, que além de ter organizado uma modesta Biblioteca, levou também a efeito por várias vezes a apresentação, com geral agrado, de espectáculos teatrais amadores. É pena que devido às grandes dificuldades materiais com que o Clube infelizmente vive e ainda ao facto de, tantos os professores de educação física como os amadores competentes não se conseguirem com relativa facilidade, estas Secções não se tenham podido manter e até desenvolver como seria grandemente vantajoso.
E o que me diz quanto a uma iniciativa que me parece não teve aquele seguimento que era necessário?

- Á! já sei a que se quer referir: à construção da piscina!
- Isso mesmo!

- Essa iniciativa foi, sem dúvida, a maior e a mais arriscada que alguma vez se lançou ombros no nosso Clube.
Devido às facilidades concedidas pela Câmara Municipal e ao entusiasmo dos elementos da Comissão alguma coisa na realidade se fez, pois já estão quase construídas três das suas paredes e até o princípio das restantes instalações complementares e que são indispensáveis numa piscina.
Agora espera-se que a Câmara Municipal consiga o reforço do caudal de água que abastece a Vila para então, contar-se com essa água que é indispensável ao seu higiénico funcionamento, e levar-se a efeito a campanha para o seu acabamento.
Não quero deixar de assinalar o caso de um punhado de rapazes, mais ou menos da sua idade, tendo à frente Gumercindo Vinagre, que expontâneamente começaram a praticar futebol sem quaisquer encargos para o Clube. Prepararam o Campo de Jogos e compraram o equipamento. Já realizaram vários jogos com resultados bastante  satisfatórios, e estou convencido que hão-de continuar com êxitos, porque não há possibilidades de nele se alojar o «escaravelho» do profissionalismo e também porque não estão sujeitos às exigências oficiais, que repito, são a causa da impraticabilidade do futebol legal nos clubes da Província.
Resumindo esta pequena história do nosso Clube, não quero terminar a nossa conversa sem lhe solicitar que interceda junto dos outros rapazes para que dêem mais cooperação, porque nós, os da velha guarda, estamos sempre prontos para tudo que seja necessário.

- Agradeço-lhe muito o alvitre, Tudo farei ao meu alcance para que toda a rapaziada, sem qualquer distinção, se una com todo o amor em volta do Sport Clube Escolar Bombarralense para que ele viva de novo momentos dos mais gloriosos!

- O amigo viu com certeza o recente Festival-Exposição do Vinho Português que se realizou na nossa terra, grande iniciativa do Exmo. Presidente da Câmara Municipal, Salvador Carvalho dos Santos, que teve o apoio unânime de toda a Vereação e de toda a população. Ele mostrou de maneira insofismável do que pode o Bombarral quando todos se unem num mesmo sentido. Quer no primeiro, quer no segundo Festival, vieram até nós, dezenas e dezenas de milhar de pessoas assistir a eles, e no último, a grande maioria admirou, com vivo interesse, o glorioso Pavilhão do S. C. E. B. lá instalado, entre elas viam-se bombarralenses residentes noutras terras que, olhavam com saudade, com orgulho, daquilo que os seus olhos, já brilhantes, estavam vendo. Também Suas Excelências o Secretário de Estado do Comércio, Ministro das Obras Públicas, Eng. Quartim Graça e outras individualidades interrogaram, admirados, como era possível ver tantos e tão valiosos símbolos desportivos conquistados pelo Bombarralense!
Manifestações de admiração são muito frequentes, pois não há ninguém que ao entrar pela primeira vez na nossa Sede, não fique boquiaberto e interrogante quando vê tão honrosos troféus a testemunhar, a  perpetuar, o esforço heróico e desinteressado dos nossos atletas.
Muito mais haveria que dizer sobre a vida do nosso Clube, mas apenas lhe foco os pontos principais para que fique com uma ideia do que tem sido e será o Sport, que, como viu, está inteiramente ligado à vida do Bombarral e que até teve como berço o despertar Nacional.

Setembro de 1961.


António Figueira da Silva

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